Jorge Letria
Tenho na mesa uma estrela do mar
e na almofada uma rosa dos ventos.
Tudo me sabe a viagem, mesmo quando
permaneço imóvel, separando no cais
o centeio e o vinho, a pimenta e o ouro.
Não fui almirante de nenhuma armada
nem grumete de nenhum naufrágio;
fui a nau frágil da loucura das ondas,
o albatroz rendido ao chamamento do longe,
a sereia apodrecida nas redes da faina.
Nesse tempo em que eu era tudo e não era nada,
em que existia somente na perdição dos mapas,
vinham as viúvas chorar por mim
com lágrimas do tamanho de pérolas,
do tamanho de conchas no desespero das dunas.
Ai dos poetas que se alimentam apenas do vivido,
ai dos olhos vencidos pela evidência do real.
Eu sou dos que inventam, dos que sempre inventaram,
dos que não podem ser levados a sério,
mesmo quando vestem a roupagem da tristeza absoluta.
Um poeta não pode resumir-se ao que é tangível,
sob pena de ser pequeno de mais para caber num verso.
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