terça-feira, 23 de novembro de 2010

Os meus poemas: A passagem de Deus

A passagem de Deus

Um dia vou fazer-me passar por um Deus anónimo
e tocar nas mãos virgens dos dissidentes
e mentir-lhes ao ouvido,
sussurrando imagens de sangue e de anarquia

Nas minhas parcas vestes
enterrarei um punhal de arrependimento
em vez de um mandato de paz
e bastará uma palavra
de incentivo à violência
para que se dê a guerra santa

De pés descalços a arder no fogo da terra
espalharei impunidades e crenças invisíveis
e deixarei que outros ardam na fogueira
tão-somente por suspeição

Não revelarei o meu preconceito de género
nem o meu conceito de igualdade
para não ferir susceptibilidades
mas rezarei por todos como se fossem iguais
sofrerão todos a mesma dor
sonharão todos com o mesmo apocalipse

Darei uma dentada na maçã da vida
e tentarei padecer do mesmo mal que os cristãos
não ordenarei divisões, apenas segregações
comandadas pelo poder

Far-se-á justiça com as próprias mãos
com a minha permissão
e o futuro será risonho
para os pecadores
e severo para os combatentes

Deixo para trás um livro
cheio de palavras verdadeiras
que serão o espelho de uma sociedade
à minha imagem e semelhança

E no final dos tempos
vão todos passar ao largo da minha memória
e tudo isto parecerá
um mero acto de auto-flagelação.

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